“Este é o momento em que a política deve deixar de ser apenas uma arena de interesses partidários e passar a ser, verdadeiramente, uma plataforma de transformação”
Ontem, no final da manhã de 26 de novembro, o Orçamento do Estado para 2025 foi finalmente aprovado, após meses de debates, propostas e discussões gerais e na especialidade. Durante este longo processo, surgiram várias tensões políticas, diferentes estratégias partidárias e, até, mudanças de posição, como as do Chega de André Ventura, que passou de uma viabilização do orçamento, em nome da estabilidade do país, para um irrevogável “não”.
Da parte do governo e das bancadas que o sustentam no parlamento, predominou uma retórica que buscava responsabilizar a oposição. A mensagem era clara: para poderem governar e implementar as suas políticas, era necessário que a oposição assumisse uma postura responsável e aprovasse o orçamento. Assim, ao longo destes meses, assistimos a uma troca constante de acusações e a um verdadeiro “passar da batata quente”. O Partido Socialista desafiava o governo a ir ao encontro do apoio do Chega, enquanto o partido de André Ventura, por sua vez, pressionava o governo a alavancar o apoio do PS. Enquanto isso, o governo refugiava-se na vitimização, acusando a oposição de criar instabilidade num tema sensível para o país como a aprovação do orçamento.
Foram meses de novela em que reinou tudo menos a maturidade política, o bom senso e o sentido de responsabilidade, e que culminaram na aprovação do Orçamento do Estado para 2025. A pergunta que se coloca agora é a seguinte: aprovado o Orçamento, o que se segue?
O que se segue, na prática, é uma realidade em que o governo deixa de ter desculpas. Até aqui, desde a eleição de Luís Montenegro, o Primeiro-ministro e o restante governo tem gerido o país ainda com um orçamento do Estado elaborado pelo governo
anterior. Agora, o caso muda de figura. Deixa de haver refúgios e desculpas. O Orçamento do Estado está aprovado, sendo desta vez um orçamento da Aliança Democrática, elaborado pelo atual governo e que será por esse mesmo atual governo posto em prática. Não há como escapar à responsabilização.
No entanto, aquela que tem sido a postura assumida por este governo não deixa espaço ao otimismo relativamente ao futuro, seja ele próximo ou mais longíquo. Continuamos a ter um governo que se limita, julgando pelo orçamento que apresentou, a fazer ajustes em vez de promover reformas estruturais. No fundo, o orçamento da Aliança Democrática é um orçamento que poderia ter sido apresentado como um orçamento de continuidade do Partido Socialista. Embora algumas medidas específicas procurem atuar de forma direta sobre certos problemas, como o financiamento público do crédito à habitação para os jovens ou um IRS jovem que continua a descriminar com base na idade, são medidas que terão impactos preversos. Como dizia Friedrich Hayek, “o pior que se pode fazer é julgar políticas com base na intenção e não no resultado”.
O governo da AD insiste em não reformar, mas apenas remendar, como fez o Partido Socialista ao longo dos oito anos em que ocupou a governação do país. Por isso, a minha previsão é que continuaremos a observar o mesmo ciclo de remendos atrás de remendos, bem como de alguns efeitos preversos que castigarão ainda mais os portugueses, apesar das boas intenções que possam ter as medidas implementadas.
O país precisa de reformas profundas, e não de mais ajustes pontuais que apenas contribuem para adiar a resolução dos problemas. Portugal precisa de um governo ambicioso e com coragem para assumir a responsabilidade das suas decisões e encarar de frente os verdadeiros problemas, desde a crise habitacional, ao colapso do Serviço Nacional de Saúde que já há muito deixou de ser capaz de servir os cidadãos, a um sistema educacional cada vez mais envelhecido e com menos condições para professores e alunos, ao êxodo jovem que castiga o presente e, acima de tudo, o futuro do país, bem como à reforma do sistema económico português.
Este é um governo que preocupa, porque não dá sinais de ambição reformista. Se este governo não mudar de rumo e não se atrever a implementar as reformas necessárias, o futuro do país continuará em cheque.
Por último, mas não menos é importante, e resgatando a pergunta que serviu como ponto de partida para este artigo de opinião, o que se segue deve, também, ser um caminho gradual de mudança da política em Portugal. Os partidos, agora terminada a fase dos ganhos políticos e das estratégias individuais com as votações para o Orçamento do Estado, devem concentrar-se em contribuir para alcançar um consenso. Não esqueçamos que a casa da democracia existe para que, mesmo com legítimas discórdias, seja possível encontrar pontos de equilíbrio entre as forças democráticas, que tenham como principal objetivo melhorar as condições de vida da população, deixando de parte, muitas vezes, os egos pessoais e/ou partidários e assumir o papel de agentes de mudança em Portugal.
Este é o momento em que a política deve deixar de ser apenas uma arena de interesses partidários e passar a ser, verdadeiramente, uma plataforma de transformação. O futuro de Portugal depende da coragem política de assumir os desafios, das reformas que se impõem e da capacidade de todos os agentes políticos de colocar o país acima dos seus próprios interesses. Só assim construiremos um futuro mais próspero, justo e sustentável para todos nós.