Quinta-feira, Abril 24, 2025

Évora: «Não temos alternativas para as centrais solares. Temos para as megacentrais»

Durante o debate promovido pela plataforma «Juntos pelo Divor», em Évora, Ana Barbosa defendeu uma abordagem equilibrada à transição energética, alertando para os riscos da instalação de megacentrais fotovoltaicas no Alentejo. A ativista apelou à cidadania ativa e à criação de um plano de ordenamento do território que compatibilize os vários usos da terra.

«Não temos alternativas para as centrais solares. Temos alternativas para as megacentrais solares, que é uma coisa completamente diferente». A frase foi proferida por Ana Barbosa, fundadora da plataforma cívica «Juntos pelo Divor», em declarações aos jornalistas, à margem do debate realizado esta quarta-feira, 9 de abril, no Palácio de D. Manuel, em Évora, e resume o posicionamento de muitos dos participantes sobre o modelo de transição energética em curso no Alentejo.

O encontro reuniu especialistas, autarcas, ambientalistas, estudantes, representantes de movimentos cívicos e cidadãos, com o objetivo de discutir os impactos da instalação de grandes centrais solares na região. O foco esteve nos projetos previstos para a zona do Divor, mas a reflexão estendeu-se ao conjunto do território alentejano.

Ana Barbosa alertou para a forma como os projetos estão a ser apresentados, em separado, sem uma visão integrada: «Vem um projeto, depois vêm outros. E sendo tudo coisas avulsas, não há uma visão global daquilo que se está a passar, nem no concelho de Évora, nem no Alentejo Central, nem no conjunto do Alentejo».

A membro da plataforma recordou que o movimento surgiu apenas depois de encerrado o processo de avaliação de impacto ambiental de um dos projetos na zona do Divor. «A avaliação de impacto ambiental terminou em 2023, mas ninguém soube. Quando fomos à Câmara e à Assembleia Municipal alertar para o que estava a acontecer, agradeceram-nos. Ninguém tinha percebido a dimensão do que se estava a passar».

A ausência de informação clara e acessível foi um dos principais pontos levantados por Ana Barbosa. «As pessoas não têm informação. Aliás, nós próprios só percebemos o que estava em causa quando já era tarde», declarou. Para a ativista, a base de qualquer processo democrático é o esclarecimento. «É preciso ter informação fidedigna para poder tomar posições. Uns votarão a favor, outros contra. O importante é que saibam o que está em causa».

Ana Barbosa destacou ainda o papel da cidadania organizada na defesa do território: «Quando a cidadania é ativa, organizada e honesta, consegue mover multidões».

A frase que marcou as suas declarações resume a distinção que faz entre diferentes modelos de produção de energia: «Não temos alternativas para as centrais solares. Temos alternativas para as megacentrais solares, que é uma coisa completamente diferente». Ana Barbosa sublinhou que a oposição não se dirige à energia solar em si, mas à forma como está a ser implementada, com concentração em grandes áreas e impacto profundo na paisagem e na biodiversidade.

A ativista chamou também a atenção para o aumento do consumo energético associado à economia digital: «As pessoas não têm ideia daquilo que estão a gastar de cada vez que fazem uma pergunta ao ChatGPT. Fala-se em poupança de água, de eletricidade, mas ninguém fala em poupança digital».

Ana Barbosa defendeu a necessidade de um plano de ordenamento do território que regule a instalação de projetos fotovoltaicos e promova a articulação entre os diferentes usos do solo. «Era interessante que o estudo do LNEC pudesse ser considerado um embrião de um futuro plano de ordenamento que compatibilize os interesses energéticos, agrícolas, florestais, ambientais, turísticos e culturais».

Para a fundadora da plataforma, o valor do Alentejo reside na sua integridade ambiental e paisagística: «O que o Alentejo vale tem a ver com a sua biodiversidade, a sua paisagem, o seu património. E isso tem a ver com o nosso bem-estar e com a nossa saúde».

A zona do Divor está atualmente sob pressão com três projetos em diferentes fases de desenvolvimento. «Quando a plataforma nasceu, eram dois. Depois apareceu uma terceira central. As três somam entre mil e mil e trezentos hectares», explicou Ana Barbosa. A primeira, da empresa Incógnita, já tem licença de produção atribuída. As outras duas, promovidas pela Hyperion e pela New, encontram-se em fase de definição do âmbito de estudo de impacto ambiental.

Apesar da aprovação, nenhuma das obras foi ainda iniciada. «Acreditamos que ainda podemos travar ou deslocalizar os projetos. Aquela zona é tudo menos uma área adequada para parques solares daquela dimensão», defendeu.

Ana Barbosa criticou também o conteúdo das consultas públicas, referindo que os documentos são vagos e não permitem compreender a localização exata das infraestruturas. «Nada no texto permite perceber onde vão ser colocados os painéis. A área de estudo é enorme e inclui zonas urbanas, como Bacelo, Senhora da Saúde e Canaviais. Só ali vivem 20 mil pessoas».

A ativista denunciou ainda conflitos de interesses no processo: «É a mesma empresa que faz consultoria ambiental e que elabora os dois projetos. São praticamente iguais, só mudam os nomes e a área».

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