No mundo católico, estar perto do Papa é algo grandioso e que acontece poucas vezes na vida. Estar pessoalmente com o Santo Padre, muito menos vezes.
Uma entidade fazer 75 anos também não se vê todos os dias, certamente, mas foi por estas “bodas de diamante” que parte esta história.
Em 2022, a corporação de bombeiros de Borba celebrou os 75 anos de existência e o antigo capelão, Padre Ricardo Cardoso, propôs a ideia de uma audiência com o Santo Papa, no Vaticano.
Volvidos dois anos, e já «sem esperança que viesse a acontecer», segundo Benjamim Espiguinha, presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG) da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Borba, o dia 6 de novembro de 2024 ficará para sempre na memória daquela corporação.
«Em agosto [de 2024], a através de um e-mail que o Padre Alessandro Cont recebeu, tivemos a notícia de que iriamos ser recebidos pelo Santo Padre», destacou Benjamim Espiguinha.
Notícia portada pelo agora pároco do concelho e também capelão dos bombeiros, que foi gerando alegria, ansiedade, nervosismo e entusiasmo. Afinal de contas, não é todos os dias que se está com o Papa.
O grupo estava constituído. O presidente da MAG, os Comandante António Ferreira e Joaquim Branco, o tesoureiro Paulo Ferreira, os secretários Paulo Aires e Sónia Boleta e o diretor José Alberto Patas, para além do pároco italiano Alessandro.
Bilhetes marcados, malas feitas. Dois anos depois, os “soldados da paz”, os “anjos da guarda” visitaram Sua Santidade, o Papa Francisco: «Uma incrível jornada».
Uma viagem programada «ao máximo de maneira a que, não apenas pudéssemos estar na audiência, mas também aproveitar alguns dias em Roma, que é uma cidade que tem muito, mas mesmo muito para visitar».
Com isso em mente, partiram de Lisboa por volta das 23h de segunda-feira, dia 4, e chegaram a Roma já por volta das 2h, já de dia 5. Foi chegar à Casa do Pontifício Colégio Português, onde ficaram hospedados a pedido do Padre Ricardo, e descansar. Teriam uma longa terça-feira pela frente.
«Começámos por visitar a Basílica de São Pedro», destacou Benjamim Espiguinha, que referiu que «como estávamos frescos», foram logo à cúpula da basílica.
«Aquilo requer alguma preparação física. O elevador deixou-nos a 200 degraus, mas ainda faltavam mais 300 para fazer a pé», comentou o presidente da MAG.
Terminado o quase exercício físico, voltaram à Casa Colégio para uma surpresa. Alessandro faria sete anos de ordenação nesse mesmo dia e iria celebrar uma eucaristia, na capela: «Claro que participámos e até acabou por ser um momento muito interessante».
Após a eucaristia, o aspeto “lendário” desta viagem. Não falamos de nada menos do que o autocarro 46, que «vai ficar marcado na memória deste grupo» e que fez as maravilhas dos viajantes.
«Com ele andámos a percorrer alguns lugares emblemáticos da cidade, como o Coliseu e a Fontana di Trevi, já de noite, mas ainda assim, tivemos essa oportunidade», sublinhou.
Voltando à base, tinham de se preparar para o grande dia e para o qual tinham viajado. Na quarta-feira iriam ser recebidos numa audiência por Jorge Mario Bergoglio, ou Papa Franciso, primeiro de seu nome.
Cerca de cinco minutos. Pouco tempo para quem prepara uma viagem desta envergadura e que enverga um sentimento tão grande pelo “chefe” da Igreja, mas certamente muito tempo para a respetiva agenda lotada. Diz o adágio popular que “o que é bom passa depressa”.
Quase tantas como os minutos, foram as lembranças levadas. Segundo os intervenientes, o Papa recebeu vinho e azeite, característicos da região, um quadro elaborado pelos pacientes da Centro De Apoio A Deficientes Luís Da Silva (explicado mais à frente), mas também duas imagens. Uma do Nosso Senhor dos Aflitos, outra de Nossa Senhora da Vitória (também explicado mais à frente).
A primeira imagem foi oferecida porque «queríamos marcá-lo e levar um bocadinho da nossa terra». Claro que também, é o local «onde os borbenses recorrem com muita frequência e com muita devoção» e assim, «a irmandade fez questão de se associar a esta visita».
Já o vinho e o azeite, «é a parte material» do caso, pois «saem do suor de muita gente».
Nervosos com a situação, sem saber como iria decorrer o encontro, ou onde seria, ou até mesmo sofrer por antecipação com a reação do Santo Padre.
«Levantámos cedíssimo, porque queríamos ficar na fila da frente. Depois soubemos que não era preciso termos levantado tão cedo, porque tínhamos lugar reservado», revelou o presidente da MAG, que destacou o Padre Ricardo na organização do evento.
«Assim que entrámos, foi-nos dito que iríamos ter a oportunidade de estar com o Santo Padre e tirar uma fotografia de grupo com ele», frisou ainda, dizendo mais que «a partir daí ficámos a perceber que a coisa ia ser mais impactante, porque não estávamos à espera disso».
Benjamim Espiguinha, católico e seminarista na sua juventude, confessou-se «sem reação», mas que depressa foi esbatido pela «simplicidade» do Papa, que apresentou «fragilidades físicas». Ainda assim, «chegou ao pé de nós muito bem-disposto e brincalhão».
«Naturalmente não é todos os dias que acontece. Se calhar só uma vez na vida», vincou, adicionando ainda que só se lembra de dar «graças da Deus por ter tido o privilégio e oportunidade».
Um privilégio que apenas atribui a ser «só presidente da Assembleia», mas uma memória que o vai «acompanhar até aos últimos dias» da sua vida.
“Águas passadas”, o breve encontro terminou. Lá se foi a ansiedade, nervosismo e entusiasmo. Ficou a alegria de ter estado num sítio privilegiado e com uma companhia «especial».
Contudo, para além da memória, houve uma conversa que ficou gravada na mente do Santo Padre. Certo que não é novidade para nós, portugueses, mas Sua Santidade ficou perplexa por estes “soldados da paz” serem voluntários.
Trata-se de um «trabalho diário, intenso e meritório, feito em grande parte» nesse regime. Situação exposta ao Santo Padre, que «pela reação dele, valorizou muito» haver voluntariado «numa instituição destas».
«Foi um acrescento bastante positivo à vida diária dos nossos bombeiros», confessando que rezava por todos os bombeiros, sempre que saía do helicóptero no Vaticano, pois, por algum acaso, a corporação papal fica no caminho para a respetiva residência.
Terminada a audiência, não houve tempo para descanso para estes “anjos da guarda” viajantes. «À tarde, tivemos a oportunidade de conhecer a Basílica de São Paulo, que não se ouve falar tanto, mas é onde está o túmulo de São Paulo».
Depois, foram à Igreja de Santa Maria Maior, para que «o Padre Alessandro tivesse oportunidade de celebrar a eucaristia nesse dia». Não viram muito desse monumento, já que «fizemos questão de participar».
Findada a quarta-feira de emoções, chegou, naturalmente, a quinta-feira, que também não foi de sossego.
«Foi praticamente o dia todo dedicado ao Museu do Vaticano. Começámos pelos jardins, de autocarro, e depois entrámos no museu propriamente dito, com o objetivo de visitar a Capela Sistina», revelou.
Tendo perdido a conta «ao número de salas e galerias» e sendo uma «caminhada cheia de turistas», lá chegaram onde queria chegar, «por volta da hora de almoço».
Visitas feitas, estava já perto da hora de voltar a voar, mas sem antes passar pelo Vaticano «para escolhermos fotografias para ficarmos com essa recordação», mesmo que «não precisássemos delas»: «É uma coisa que não se vai apagar».
Era tempo também de regressar à Casa do Pontifício Colégio Português, para um momento «de partilha e de agradecer o que o Padre Ricardo fez por nós».
Pároco este que foi «uma pessoa inexcedível no esforço que teve para que este evento fosse uma realidade e também para tornar a receção possível». Proporcionou também hospedagem e ainda a ajuda das irmãs presentes «que era portuguesas», para além de ser guia turístico pela Cidade Eterna.
Sentimento de gratidão partilhado por Joaquim Branco, Comandante da corporação de Borba, que admitiu que estes dias «nos vão acompanhar até ao resto dos nossos dias».
«É uma situação que, felizmente, e também com aquilo que que o nosso grande amigo Padre Ricardo nos conseguiu proporcionar, nos vai marcar garantidamente para sempre», adicionou, dizendo ainda que «é único estar junto de Sua Santidade, atendendo à proximidade que tivemos dele e o convívio e o prazer que tivemos de falar com ele».
O comandante realçou desta viagem a «palavra grata» do Papa para com o voluntariado, para além da «simplicidade».
«Disse que reza por nós todos os dias, o que é muito bom. Por vezes na nossa atividade necessitamos que alguém que reze um bocadinho por nós», acrescentou.
Para além do comandante, também Sónia Boleto admirou a «boa disposição» do Santo Padre. Contudo, esta personagem da história foi também em representação do Centro De Apoio A Deficientes Luís Da Silva, onde é enfermeira, de onde surgiu o referido quadro: «Aproveitei a boleia».
«Comentei com os utentes, que ainda têm alguma perceção, que iria estar perante Sua Santidade, o Papa Francisco, e eles quiseram muito elaborar um trabalho que pudesse ser entregue», esclareceu.
Uma obra que «não representava nada em especial» e sem «tema» ou «imagem específica», mas que certamente marcou quem o fez e quem o recebeu.
Um quadro de lã de várias cores, que acabaram por representar «a alegria que eles têm em que lhe fosse entregue e do Papa saber que eles existem», sendo uma obra «mais emocional».
Mesmo compreendo que o Papa «tem conhecimento de todo o tipo de cidadãos do mundo», acabou por ouvir a história «com muita atenção» e ficou «mesmo sensibilizado e uns segundos a olhar para o quadro, que creio que a rezar por eles».
Como referido foi também entregue uma imagem de Nossa Senhora da Vitória, porque «sei que o Padre Ricardo está muito ligado a ela».
«Nos minutos antes de estarmos com o Papa Francisco, eu mostrei ao padre Ricardo o que levava ‘no bolso’ e vi que ele próprio ficou emocionado por eu me ter lembrado», explicou, acrescentando ainda que «foi muito emocionante vê lo a olhar para a imagem. Se calhar foi o momento alto para mim».
Emoções que nunca se vão esquecer, visitas que sempre se irão recordar, mas era mesmo tempo de voltar para casa, «com vontade de lá regressar», segundo Benjamim Espiguinha, aceitando que «é uma vontade comum a todos».
Mesmo que tenham sido três dias «um pouco a correr para tentar ver o mais possível», o presidente da MAG, chutou isso “para canto”.
«Andámos e corremos muito, mas a satisfação de ter vivido esses momentos deu para esquecer a correria e o cansaço», referiu.
Bilhetes em mão, de lá vieram os “anjos da guarda” sem asas a voar de volta para Portugal, nessa mesma quinta-feira. Sexta-feira já era dia de voltar a “salvar vidas”.
Todos os registos apresentadas foram fornecidos pelos Bombeiros Voluntários de Borba à nossa redação.